Minha
vida como leitora começou muito cedo. Lembro-me que bem antes de saber ler eu
já lia as figuras dos livros e ficava horas contando histórias imaginárias. Em
1967 não tinha muitos livros atrativos, mas me encantava as figuras, até
rótulos de produtos me fascinavam.
Quando
comecei a ler as primeiras palavras, percebi que eram diferentes daquelas que
eu lia na minha imaginação. Aprendi com a cartilha Caminho Suave a soletrar
palavras soltas que na minha cabeça não tinham sentido. Fiquei decepcionada com as histórias
que não eram nada criativas. Fazia as atividades automaticamente e avançava
rápido nas páginas para ver se vinha outra coisa mais legal.
Por
mais estranho que pareça, não consigo lembrar-me da minha primeira professora, talvez
de uma forma ou de outra as lembranças foram barradas. Independentemente das
aulas eu continuava no meu mundo de figuras e rótulos.
Depois
que passei da fase: A babá lava o bebê. Ivo viu a uva. Percebi que eu podia
juntar outras palavras e com o tempo me divertia com esta descoberta.
Também percebi que eu era limitada a
ler Ivo viu a uva e escrever sobre aquilo, para mim não tinha sentido. Quantas
vezes era chamada para ler e muitas vezes divagava nas leitura sem ter escrito nada,
quando a professora me descobria era xingada e dizia que eu não sabia escrever.
Meu caderno era um festival de riscos vermelhos feitos pela professora. Escrevia
somente aquilo que era para agradar e com o tempo deixei de ler em voz alta e a
escrever.
Adorava em casa brincar com o meu
nome, pois percebia que com nove letras eu podia criar uma infinidade de outras
palavras e montava as histórias na minha cabeça, mas nunca no papel. E foi
nessa época que eu decidi que iria ser professora.
O tempo foi passando e quando
cheguei à adolescência descobri as coleções de: Sabrina, Júlia, Bianca e tantas
outras. Devorava os livros, às vezes lia até dois por dia. Depois de muitos anos
lendo esses livros, qual não foi minha decepção ao descobrir que todas as
histórias eram iguais, só mudava os personagens. A moça pobre que se apaixonava
pelo rapaz rico e poderoso que a esnobava e fazia sofrer, mas no final dizia
que sempre foi apaixonado por ela.
Em 1979 terminei o Magistério, e em
1982 assumi por concurso uma escola multisseriada. Quando me deparei com
aqueles alunos, quatro turmas juntos na mesma sala, os pequenos nem sabiam
pegar o lápis na mão e me disseram que eu tinha que alfabetizá-los e fiquei assustada.
Foi então que conheci O Barquinho Amarelo, mas percebi que eu ia fazer o mesmo
com meus alunos o que tinha acontecido comigo. Então comecei a encher a sala
com cartazes e rótulos, fiz mercadinho com embalagens de produtos. Lia muitas
histórias para eles. Na época tinha bandejas de areia e fazia os alunos, com o dedo,
desenhar as letras, usava cartões de alinhavo também.
Fiz muitos cursos e aprendi que era
possível criar histórias com os alunos através de cartazes de experiências como
eram chamados na época. Comecei a colocar em pratica, fazia bolo com os alunos,
polenta e depois construíamos juntos as histórias no quadro. Quando lia uma história,
logo tratava de escrever outra usando a criatividade.
Nunca me esqueço que um dia uma
aluna foi ler sua história e olhava o caderno e contou uma história linda sobre
uma galinha. Quando peguei o caderno da mesma, qual não foi minha surpresa ao
perceber que ela tinha feito como eu imaginou toda a história. Elogiei sua
história e depois somente com ela ajudei a colocar no papel. Se eu tivesse
feito o mesmo que a professora fez comigo, com certeza a aluna nunca mais iria escrever.
Consegui alfabetizar aquelas crianças da minha maneira, levava muitos livros, lia
muito com eles.
O tempo foi passando e minhas leituras se
tornaram mais exigentes, passei a ler livros de literatura brasileira, apesar
de não gostar muito de Machado de Assis por achá-lo muito descritivo. Mas lia, porque
era importante. Lia de tudo, desde Sydney Sheldon, Danielle Steel, Agatha
Cristie e tantos outros.
Por um longo período lia muito
literatura norte americana, fique apaixonada por romances ligados a segunda
guerra mundial.
Depois fiz o Magister, uma faculdade
de Português e Inglês ofertada pelo governo do estado de SC, que era de graça,
porque eu não tinha condições de pagar uma faculdade.
Então minhas leituras tinham que ser
teóricas para poder fazer os trabalhos, aprendi a gostar de teorias, pois era
através delas que eu podia ser critica.
Comecei a dar aula para o ensino
fundamental de português, e lia muito com os alunos e fazia com que eles se
encantassem com os livros a pegar o gosto pela leitura. Depois fiz minha pós-
graduação em Língua Portuguesa, porque queria me aprofundar mais na questão da
leitura e principalmente a escrita que sempre foi uma barreira para mim.
Na escola lia os livros da Série Vagalume
porque eram estes os livros que os alunos liam ,quando foram lançados os livros
da Série Crepúsculo também li,porque era febre entre os adolescentes. Lia
porque queria entender seus sonhos, suas fantasias. Mas eu queria muito mais, para
mim não bastava que eles lessem era preciso fazer algo para que eles
valorizassem suas escritas também.
Em 2008 resolvi dar uma guinada na
minha vida, fiz um blog pessoal onde escrevia e continuo escrevendo coisas que
tenho vontade. Também fiz uma proposta para os alunos de 7ª e 8ª Séries, para
eles lerem sobre os problemas sociais brasileiros. Foi então que surgiu o
primeiro Festival da Oratória na escola.
Assim que iniciaram as aulas em
fevereiro os alunos começaram a pesquisar os assuntos, durante dois meses leram
muita coisa em jornais, revista e internet. Depois pedi que escolhessem um tema
que era do seu agrado e produzissem um texto baseados nas suas leituras. As
correções eram constantes, mas não os deixava desanimarem. Depois dos textos
prontos foi feito uma seleção nas salas de aula e onze alunos foram
selecionados para o Festival.
Os alunos vinham em outro turno para
os ensaios, ensaiava postura, dicção, expressão corporal. Desde o começo
incentivei e fui atrás de prêmios em dinheiro, pois os alunos sempre viajavam
no final do ano e esse dinheiro ajudaria muito. O primeiro lugar recebeu cem
reais o segundo setenta e cinco reais e o terceiro cinquenta reais. O Festival
foi um sucesso.
Em 2009 fui convidada para ser
colunista de um jornal da minha cidade, no qual escrevo até hoje.
E no ano de 2009 no início das aulas
os alunos já pediam quando eu ia começar a trabalhar a Oratória. Cada vez mais
o interesse dos alunos foi crescendo, então comecei a sair no comércio à
procura de patrocínio para as premiações. Novamente o Festival foi realizado na
escola, mas consegui arrecadar setecentos reais e novamente os onze alunos
finalistas foram premiados.
Em 2010 senti que este Festival
tinha que ser mostrado para toda a cidade e a escola se tornou pequena para a realização
do evento. Então consegui a Casa da Cultura da minha cidade onde a acústica era
melhor e o público assistiríamos com mais confortabilidade. Consegui mais patrocinadores,
e neste ano distribui mil e cinquenta reais entre os onze participantes. Fazíamos
convites para as escolas, convidávamos jurados que eram jornalistas, locutores
de rádios, políticos da nossa cidade e pessoas ligadas a nossa cultura.
Em 2011novamente as procuras para
participarem já sabiam no início do ano que assuntos teriam que ler para fazer
seus textos. Cada vez mais aumentava o número de patrocinadores e já conseguia
pagar em dinheiro os prêmios dos onze participantes. A escola toda se envolvia,
fazíamos os diplomas, dávamos entrevistas para as rádios, saíamos nos jornais
da cidade. Sucesso total.
Em 2012 decidi que eu iria fazer meu
último Festival de Oratória na escola, pois iria me aposentar em março de 2013.
Então sabia que tinha que fechar com
chave de ouro e pedi para os alunos que lessem somente assuntos relevantes a nossa
cidade como: Saúde, Educação, Trânsito, Política, Drogas, Inclusão, Bombeiros, Segurança
Pública, Educação Financeira, Cultura. Só que os textos teriam que partir de
entrevistas feitas, onde eram gravadas as pessoas abordadas. A parte mais
difícil para eles foi transcreverem as falas e depois elaborar os textos. Novamente
fui atrás dos patrocinadores e neste ano a premiação foi maior: mil e
quinhentos reais distribuídos entres os participantes.
Fui
homenageada pela direção da escola e os professores, pois era minha despedida, e
disse no meu discurso final que ao me aposentar queria trabalhar somente meio
período e que ia deixar para outras pessoas realizarem o Festival.
Nesses cincos anos de Oratória os alunos
puderam fazer uma leitura de mundo e colocar nas suas escritas todas as
criticas argumentativas, pois tiveram embasamento para isso. Ler para eles foi
fundamental para desenvolver todas as praticas de seus textos.
Aposentei-me em março de 2013, e
este ano escolhi uma escola, só que fiquei na minha vaga como substituta, pois
existe grande falta de professores. No começo disse que não ia me envolver mais,
ledo engano o meu.
Não vou fazer o Festival de Oratória,
pois trabalho em duas escolas diferentes e é complicado montar toda uma estrutura.
Mas nem por isso deixei de trabalhar Oratória nas escolas. Não realizei
festival,mas orientei alunas das duas escolas para participarem do Festival de
Oratória nas escolas da JCI.Quatro alunas foram escritas para o festival.É
impossível não trabalhar leituras que nos levam a refletir,principalmente no
momento que estamos vivendo.E o suporte para essas leituras vieram muitas vezes
do Jornal Diário Catarinense e muitas pesquisas em livros e internet.
Este ano estou trabalhando com as 8ª
Séries literatura Brasileira e outros tipos de leitura, onde os alunos fazem
roda para contar e discutir os livros lidos. Estou trabalhando com 6º ano e 7ª
e 8ª Séries poesias inéditas baseadas nos problemas sociais. No final do ano
nas duas escolas haverá um Festival de Poesias.
O mais gratificante este ano é
trabalhar Literatura Infantil com uma turma do 3º ano e uma turma de pré-
escolar. Posso perceber diariamente nos alunos do pré a ansiedade quando pegam
os livros e inventam suas histórias imaginativas.
O que eu aprendi nesses anos todos
foi vencer os meus medos de ler em público, de falar para um grande número de
pessoas e principalmente de escrever minhas opiniões. E o mais importante
ajudei muitos alunos a perderem estes mesmos medos.
Hoje sou uma pessoa realizada profissionalmente
e penso que a palavra aposentada vou deixar de lado por muito tempo. Ainda
tenho muita coisa para fazer nas escolas por onde vou passar. Incomodo muita
gente com meus projetos e desafios e costumo desafiar outros professores
também.
Nos livros eu viajei, não só para outros mundos, mas
em meu próprio mundo. Eu aprendi quem eu era e quem eu queria ser, o que eu
poderia aspirar, e o que eu poderia ousar sonhar com meu mundo e eu. Tornei-me
mais audaciosa e aprendi a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado. A
leitura sempre foi a minha casa, minha grande companheira. A leitura se apoderou
de mim com um caminho e uma ponte para os meus sonhos.
O que
torna um livro verdadeiramente agradável e cativante para mim? Um
mistério? Uma história de amor? A ficção científica? Um romance
de espionagem? Todos eles fazem! Qualquer livro que me permite
escapar do meu mundo e mergulhar-me em outro mundo, muito diferente do meu, é
um livro agradável para mim!
Seria
impossível listar todos os livros que eu li ao longo dos anos - não ter sido
simplesmente demais. Mas cada um contribuiu para a minha vida de alguma
forma. E escrever me deu uma saída criativa maravilhosa, bem como
desenvolver as minhas habilidades. A leitura mais importante não é o que você pode
programar para reforçar seus lucros ou garantir um aumento de salário, mas o
que lhe dá a moral de um ser humano decente.
Infelizmente
Ivo só viu a uva. Eu chupei o grão, sequei a semente e plantei. Junto com ela
foram crescendo meus sonhos, estendi meus braços para o mundo assim como a
semente se tornou poderosa e cresceu. Juntas aprendemos a entender as
entrelinhas de um texto. E a parreira cresceu tanto, que os espaços se tornaram
pequenos. Hoje meus espaços são preenchidos com jornais diários,artigos
interessantes e livros que me fazem viajar .
OBS:Ia participar com esse relato do Prêmio RBS Educação,mas esqueci de fazer a segunda inscrição.Por isso posto aqui.
Feliz domingo!
ResponderExcluirO seu texto é tudo o que eu precisava ler logo pela manhã.
Parabéns
Bjs
Nicinha
Como educadora, Maristela, também evolui muito em meu aprendizado pessoal com livros, leituras e o escrever. Costumo dizer que feliz é a pessoa alfabetizada pois, tem um mundo todo aberto à sua frente... Utiliza gratuitamente, se tiver sabedoria, de uma riqueza ímpar que é a palavra falada ou escrita nos direciona, propulsiona, eleva ou deprime. Depende do uso que dela fizermos. Leio sua história de vida e parabenizo-a. Nossas escolas, nosso ensino tem absoluta falta de educadoras dignas e sábias como você! Doação é o que nos move! Seja feliz!
ResponderExcluirBjs. Célia.
Sou apaixonada por livros e estou no caminho para me formar em pedagogia. Quero levar um pouco desse amor para meus futuros alunos. A vida de quem lê é totalmente diferente e muito melhor. Mas as pessoas ainda não descobriram esse prazer na leitura. Como dizem as professoras da faculdade, estamos na geração 140 caracteres. Isso é triste. Ontem estava assistindo o programa Provocações e o escritor Férrez foi o entrevistado, ele disse: “Os professores tinham que ser treinados para ter amor pela literatura, porque a escola é uma assassina de leitores, quando ela manda resumir um livro em 20 dias ela assassina qualquer tipo de leitor futuro.”
ResponderExcluirConcordo com ele, não adianta queremos incentivar a leitura se não somos exemplos aos nossos alunos.
Beijos
Nossa!!! Mulher que lugar maravilhoso é este aqui?
ResponderExcluirVim dar uma espiadinha e fique encantada com tamanho carinho, amor e dedicação.
Parabens por um espaço tão bem estruturado voltado a educação, leitura, enfim... o que é muito bom...
Fiquei encantada mesmo!
Bjs
Ritinha
Querida, que pena! Terias feito bonito.Teu texto e as lembranças do aprendizado vida afora está maravilhoso.Parabéns!Adorei! Bjs Eloah
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